quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Deixai ir os meus músicos


Uma das maiores necessidades da igreja brasileira hoje é a de música cristã profana. Precisamos de música cristã que não fale de Deus. Não que falar de Deus não seja importante; mas às vezes tenho a impressão de que falamos demais de Deus, quase a ponto de tomar seu nome em vão. Falamos tanto porque estamos preocupados com a sua ausência; será que falamos para ocultar a sua ausência?



Falar de Deus é essencial: “como crerão, se não ouvirem?”. Tão importante quanto falar sobre Deus, no entanto, é falar a partir de Deus; e quando falamos a partir de Deus, não precisamos, necessariamente, usar o nome de Deus – o livro de Ester conta uma belíssima história sem usar o nome de Deus nem uma única vez, e essa história se tornou parte do cânon judaico-cristão, como narrativa divinamente inspirada.

A questão, pois, é se temos a graça de contar a história do modo correto, de narrar a vida sob a luz do evangelho. Precisamos de música que não fale de Deus, mas que fale a respeito da vida, das flores, do amor, da política, e das crianças, sob a luz do evangelho; precisamos de música que fale sobre o mundo, mas a partir de Deus.

Além disso, precisamos de música, simplesmente. Música que signifique Deus por sua beleza, e que mostre a sua glória sem palavras. A música pode ser narrativa, mas não precisa ser – a música não precisa de justificativas além da sua própria existência porque, afinal, Deus não precisa dar explicações sobre a razão de sua criação. Quem pode pôr em dúvida a beleza da música? Quem pode pôr em dúvida o amor do homem pela beleza da música? E quem pode pôr em dúvida a origem divina de toda boa dádiva, e de todo dom perfeito?

Quem és tu, ó pastor evangélico, para discutires com Deus? Pode a coisa feita desafiar seu Criador, perguntando-lhe: “Por que me fizeste assim?” Ou terás a ousadia de reprovar o inventor da beleza, por ter criado homens que amam a música pela música, mesmo quando não tem uma razão bíblica para desfrutá-la? Acusarás a Deus de ser o tentador do homem? Atribuirás a Satanás a arte de Mozart, de Wagner ou de Villa-Lobos? Consumados estes absurdos, que mais restará senão reprovar também a beleza das flores e o canto do sabiá? Por causa de Israel o nome de Deus foi blasfemado entre os gentios; mas por causa de ti a música cristã afunda nas trevas da feiúra estética.

Não me esqueço do dia em que um diácono da minha igreja – um homem grande, sério, que detestava livros mais do que qualquer coisa na vida – me chamou para uma conversa séria, “de homem pra homem”. Este diácono – não sei se no corpo ou fora do corpo, Deus o sabe – me aconselhou a desistir de ser músico profissional. “Porque” – dizia ele – “este meio artístico é muito sujo... Tem muita p., e um crente verdadeiro não se mete com p. Quando tem muita p. num lugar a gente tem que sair”. E, de fato, eu saí rapidamente de perto dele. Acho que em poucas ocasiões eu ouvi tantas vezes a palavra "p...".

Os músicos cristãos precisam de libertação – não da música “do mundo”, mas da música “da igreja”. Precisam ser libertados do jugo dos pastores e dos crentes legalistas, que exigem qualidade nas noites de domingo, mas que proíbem estes músicos de se profissionalizarem, e fecham o mundo da música a uma ação cristã redentiva.

Texto: Guilherme de Carvalho

2 comentários:

  1. Oi amigo. Gosto muito do seu blog, e queria deixar aqui minha opinião a respeito. Realmente o diacono foi severo. Mas certeza que ele queria também te proteger. Não escravizar. Já pensou nisso? Cara esse mundo é muito sujo, porque hoje satanás que reina nele. E ele vai tentar de tudo para te tirar da presença de Deus. Nesse meio as tentações devem ser muito fortes. As vezes é melhor fugir. Como Paulo mesmo disse a Timóteo: foge das paixões da mocidade. A música, é algo muito bom. Mas sem Deus nela (talvez não falando dele diretamente, mas de alguma forma ele precisa estar presente!) é só musica. Algo que se você for ver lá em genesis foi criado pelo homem caido (fora da presença de Deus) para dar a ele - homem, um prazer que ele não mais possuia. Uma alegria que ele não tinha, pois foi afastado de seu Criador, pela desobediência. Após expulso do jardim do Édem. A nossa musica precisa para honrar a Deus, ao Filho e ao Espirito, os unicos que podem nos dar alegria e salvação verdadeiras. Esse mundo passa, todo ele vai passar. Deus é eterno, e existirá para sempre, como sempre existiu! Melhor cantar de algo assim! Grande abraço!

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  2. Com certeza, cara. Penso igualzinho você! Só um detalhe: esse texto não é meu, hehe. Eu sou Guilherme Gontijo. O Guilherme de Carvalho é o responsável hoje pelo L'Abri no Brasil, em Belo Horizonte. É um homem com uma pegada bem da filosofia crista, Francis Shaeffer, Chesterton etc. Apenas coloquei esse texto pra levantar a reflexão. Achei o cara ousado e em algumas partes bem duro no posicionamento, mas penso como tu, cara. Na época em que postei isso aqui no blog tava numa fase um pouco revoltada com os rumos que as coisas estavam tomando na igreja brasileira. Mas Deus é gracioso em tudo e com muito amor me educou a acreditar na igreja que ele acredita, hehe. Enfim... estamos juntos, meu caro.

    Soli Deo Gloria.

    Guilherme.

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